quarta-feira, 25 de agosto de 2010
COMILANÇA - Martha Medeiros
Eu teria dezenas de motivos para não entrar para a política, mas bastaria um para liquidar com a mais remota hipótese de eu vir a ser deputada, senadora, prefeita ou governadora de qualquer ponto do planeta: eu não como fora de hora. Não sou muito chegada a doce. E não experimentaria buchada de bode nem que me abrissem a boca a fórceps. Eu só como o que eu gosto e na hora que eu quero. Agora me diz se algum político pode se dar a esse luxo.
O presidente Lula é um bom garfo, sabemos todos. Sorte dele. Eu não poderia visitar a Fenadoce em caráter oficial. Teria que inventar que sou diabética. Também não poderia visitar comitês: não tomo cafezinho. E nem poderia conversar com populares num bar do centro da cidade: não consigo engolir um pastel às quatro da tarde.
Quando eu era pequena, cada vez que minha mãe dizia que iríamos visitar alguém, eu gelava. Teria que aceitar o que me oferecessem. Torta fria, salgadinhos suspeitos, olhos-de-sogra, fios de ovos: argh. Na minha família, recusar comer uma coisinha é ofensa de morte. Você põe os pés na casa de quem quer que seja e antes mesmo de você sentar já colocam um prato na sua frente. Não obrigada, eu adoro você, mas não estou com fome. Coma!!!
Às vezes visito escolas e dou uma passada na sala dos professores, Não quer um chazinho, uma bolachinha d’água? Não, obrigada. Dieta não pode ser você é tão magrinha... Não é isso, estou satisfeita obrigada. Coma!!!
Uma fatiazinha de rocambole, um algodãozinho doce, uma pizza de sardinha um naquinho do rosbife de ontem, prova. Não obrigada, mas aceito um copo deágua. Coma!!!
Agora imagine eu, que procuro ser sempre polida e gentil com todos, ter que dizer não justamente para aquilo do qual as pessoas mais se orgulham: seus dotes culinários. Cozinhar é um ato de amor, e, no entanto viro um iceberg diante de um sanduíche de ovo, de um risole de guisado, de um bolinho de aipim, a não ser que eu esteja roxa de fome, o que só costuma a acontecer ao meio-dia e à noite, horários em que estou na minha própria casa ou num bom restaurante. Eu tenho o hábito de dizer, por favor, com licença, bater na porta antes de entrar, conversar olhando nos olhos, ser pontual, responder todos os e-mails, então me sinto no direito de pedir singelamente: não me obriguem a comer só por educação. Permitam-me ser agradável de outras maneiras.
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Adoro o que a Martha Medeiros escreve, e este texto é maravilhoso e nos mostra o que realmente acontece conosco. É para pensar e refletir.
ResponderExcluirbjkas...
Andréa.